terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Disciplina: base para uma vida harmônica em sociedade

Estava lendo uma revista Veja do ano passado quando me deparei com este artigo:


"A casa destruída

Um casal de amigos avisa que vem me visitar. Sinto um arrepio de terror. Não por ele. Somos próximos desde seu casamento. Mas devido aos dois pequenos! Corro para colocar os objetos no alto de estantes, dentro dos armários da cozinha, etc. Somem vasos, castiçais, cinzeiros. Arrumo a mesa de centro com copos, queijo, bolachas, docinhos. Escondo um patê no fundo da geladeira, assim como um vidro de berinjela no azeite. "Tudo o que possa derramar será derramando", aviso a mim mesmo. As crianças são umas gracinhas. Lindas. Inteligentes. Ágeis. Mas os pais são incapazes de dizer "não".
Logo depois que ele chegam, a casa parece ter passado por um arrastão. Restam os copos, é claro. Assim que sirvo o refrigerante, o garoto arrebenta o seu contra a mesinha. Posso parecer rabugento. Mas qual motivo de ele sorrir alegremente? A mãe também sorri:
- Quebrou! Quer tomar no meu copo, filhinho?
- É melhor recolher os cacos, senão as crianças podem se cortar - diz o pai, imóvel.
Enxugo. Limpo a mesa, o tapete. Minha amiga indaga distraidamente:
- Era parte de algum jogo?
- Não faço questão de ter copos iguais, vivem quebrando.
Por que disfarço? Para preservar a amizade. Se disser um "ai", ela se voltará contra mim. Não admite que alguém dê bronca nos filhos! Ouço gritos. É a menina. Acaba de derrubar meu vaso de violetas preso na parede. Ficou na pontinha dos pés e puxou. O pai vai abraçá-la.
- Machucou, bonitinha? Não chora, não chora...
Agora é a vez de varrer o chão. Ganhei as violetas de presente há alguns anos. Eram lembrança de uma grande amizade. Saio da recordação ao ouvir novo grito lancinante. O garoto escorregou. Bateu o queixo e está sangrando. Enquanto a mãe lava o ferimento e passa remédio, ele consegue atirar meu sabonete perfumado dentro do vaso. Olha para mim e sorri. Arreganho os dentes de volta. Aproveito e faço uma expressão monstruosa. Ele grita e se refugia nos braços maternos. Ela me encara com horror.
- Só brinquei - digo inocentemente.
- Viu? Era só o tio! Vai, abraça o tio.
Ele vem para o meu colo. Há um instante de trégua. Até ele puxar minha corrente com o crucifixo. Os elos arrebentam. A mãe observa fracamente.
- Ih! Arrebentou a correntinha do tio.
- Corram aqui! - grita o pai.
A garotinha acaba de botar a cruzinha de ouro na boca. Eu seguro seus braços, a mãe a cabeça e o pai abre os dentes cerrados. Consegue agarrar o pequeno crucifixo antes que ele seja engolido. Quando terminamos, cadê o garoto? Procuramos pela casa desesperadamente. Ouço um latido. Ele fugiu pelo portão! Tenta agarrar o doberman do vizinho, que passeava com o cão. O dono puxa a coleira para impedir que o cachorro trucide a criança. Berra:
- Sai daqui, sai daqui!
A mãe afasta o menino, furiosa:
- Não grita com o meu filho!
O anjinho chora mansamente, magoado! Sirvo rapidamente os bombons quardados na geladeira. As crianças adoram. Aproveitam para exercer suas habilidades artísticas no sofá branco e nas almofadas, em que passam os dedos com as mãos imundas de chocolate.
- Vocês sujaram o rosto! - descobre a mãe.
Olho em torno, desconsolado. Onde estará o tira manchas? O casal despede-se.
- As crianças precisam tomar banho. Foi uma tarde ótima. Caio sentado no sofá. Vejo a cadeira virada, mas não tenho forças para arrumá-la. Por que alguns pais e mães são incapazes de dizer "não"? E mais: como serão essas crianças quando se transformarem em adultos, crescendo assim, sem noção de limites?"
fonte:
Walcyr Carrasco
Veja SP, 13 de Junho de 2007

Esse texto mostra um problema familiar muito comum atualmente e que precisa ser urgentemente sanado: a falta de disciplina. Os pais não podem se tornar meros espectadores das artes de seus filhos. É preciso ensinar regras de bom comportamento e respeito ao que é do próximo. É indispensável que desde cedo as crianças tenham sua liberdade direcionada, para que elas saibam até onde podem ir e possam se tornar adultos com os quais seja possível uma convivência pacífica e digna.

Um comentário:

Luiz Lailo disse...

Um casal de amigos avisa que vem me visitar. Sinto muito, estou saindo agora.
Assim terminaria minha história.
É claro que o que está na revista é apenas uma crônica, uma peça de ficção. Ninguém é um anfitrião tão bronco assim.